domingo, 31 de maio de 2009

O Brasil e o grau de investimento

No ano passado muito se discutiu a questão de o Brasil ter atingido o tão chamado “grau de investimento”. Este grau de investimento é um rating, isto é, uma nota que mede o risco de se investir no país.

No entanto, pode-se falar que este grau ainda não foi totalmente atingido. Isto, porque ele é dado por três grandes e renomadas agencias internacionais (Standard & Poor’s, Fitch Ratings e Moody’s), sendo que o Brasil só conseguiu esta avaliação por parte das duas primeiras.

A obtenção deste “grau de investimento” indica que o país é menos arriscado para se investir, fazendo com que muitos investidores estrangeiros migrem seus investimentos para aquele país. Tal movimento ocorre devido à existência de um cupom: os títulos brasileiros, por exemplo, apresenta rendimentos mais altos que títulos norte-americanos. O problema é que não há muitos compradores devido ao risco inerente a este investimento. Com o rating positivo, muitos investidores, especialmente fundos de investimentos, podem migrar seus investimentos para o Brasil, gerando um grande fluxo de dólares em nossa economia e, conseqüentemente, derrubando o câmbio (dólar fica mais barato).

Dada a solidez da economia brasileira e a forma como ela reagiu à crise mundial, tudo indica que conseguiremos alcançar a terceira e última avaliação de grau de investimento ainda este ano (2009), o que demonstra o avanço da política econômica brasileira nos últimos anos.

Abaixo segue uma entrevista com Mauro Leos, o responsável da Moody’s pela avaliação do Brasil.

Como é o processo de avaliação para a concessão do grau de investimento a um país? Quais são os passos?
O trabalho para se chegar a uma recomendação é analisar como o país e o governo estão se saindo. Olhamos para diferentes indicadores e tentamos ver como o Brasil está em relação a todos países que têm o grau de investimento naquele nível ou abaixo daquele nível. O processo é ver como as coisas mudaram no último ano, quais são os perspectiva para as variáveis, como PIB, balanço de pagamentos e a taxa de endividamento, e sobre isso fazer uma avaliação obre o quão provável é que o país vá se desenvolver nos próximos anos.

Há uma equipe que avalia isso ou é o sr. que centraliza as informações e dá a palavra final?
A análise principal sou eu que faço. Tentamos fazer uma visita anual ao Brasil em algum momento do terceiro trimestre, entre julho e setembro, e para fazer uma visita e com base nela escrever um relatório. E esse relatório, junto com outros dados, será discutido em um comitê. Com base nele, o comitê vota se alguma coisa precisa ser ajustada ou mudada no rating do Brasil. Fazemos isso pelo menos uma vez por ano. Coletamos muitas informações indo ao Banco Central, falamos com diferentes analistas. Vamos a São Paulo, ao Rio de Janeiro, a Brasília.

Há alguma previsão sobre a concessão do grau de investimento ao Brasil?
Lançamos nosso relatório trimestral para a América Latina recentemente. Um dos assuntos que mencionamos nesse relatório é que, comparada a todas as regiões, a América Latina está se saindo bem. Países europeus, por exemplo, estão tendo dificuldades; alguns países da Ásia também. Nesse contexto, e comparado a todas as outras regiões, eles estão tendo um desempenho melhor. Levando isso em consideração, nós não descartamos a possibilidade de que poderemos ter ações positivas de rating para alguns países da região. E também eu mencionei que países que são candidatos potenciais para ações positivas de rating são Brasil e Peru. Veja bem: eu não disse que estamos a ponto de melhorar o 'rating' do Brasil, mas disse que o Brasil é um candidato potencial para ações positivas de rating num futuro próximo.

Futuro próximo quer dizer este ano? Este semestre?
Nós temos que ir ao Brasil para nossa visita anual sobre qual eu lhe falei, fazer nosso relatório a ser discutido pelo comitê. Então, sim, vamos fazer o relatório depois dessa visita, e uma discussão sobre isso com certeza acontecerá antes do fim do ano. O resultado dessa reunião ninguém sabe qual será. Mas se o Brasil vier a receber o 'investment grade' neste ano, será depois dessa reunião.

O sr. disse que o Brasil é um potencial candidato porque tem reagido melhor à crise do que os países europeus, por exemplo. O sr. acha que a crise favoreceu uma melhora na análise da Moody’s sobre a economia brasileira?
Por causa da crise, pudemos ver alguns fatores. Primeiro: qual foi o impacto do choque negativo na economia, nas contas fiscais e no balanço de pagamentos. Segundo: pudemos ver o quão efetiva foi a resposta das autoridades e do governo a esses choques. Ver isso acontecer verdadeiramente forneceu para nós informações sobre o quão fortes, capazes e comprometidas as autoridades estão, porque antes disso nós tínhamos que trabalhar com cenários: 'e se tal coisa acontecesse, qual seria o impacto?' Tínhamos que fazer nossas próprias estimativas e especulações. Agora nós vimos, primeiro, o quão ruim foi; segundo, qual foi o impacto; e, terceiro, qual foi a política em resposta. E assim temos um senso melhor de qual é a previsão e o que pode ser a previsão para o resto do ano. Então, foi útil, porque a crise foi equivalente a um “teste de estresse” para a região.

Diante dessa realidade observada na crise, o sr. diria que é muito diferente a avaliação que a Moody’s tinha sobre a economia brasileira no ano passado da que tem agora em 2009?
É diferente nessa perspectiva: no ano passado, quando todas as outras agências começaram a melhorar a avaliação do Brasil, nós não nos sentimos confortáveis para fazer isso naquela época porque, embora o Brasil estivesse muito bem, mas tínhamos a sensação de que a economia mundial iria entrar em um período difícil. Agora, neste ano, como disse, nós vimos e não é pura especulação, mas temos evidências, informações que nos mostraram todos os impactos e respostas em uma condição muito difícil.

Quais são os pontos fortes e fracos da economia brasileira?
O lado mais óbvio e positivo é que a força das reservas internacionais brasileiras deu mais flexibilidade ao país e ao Banco Central para administrar os choques financeiros. Mesmo que o país e algumas empresas tenham experimentado acesso reduzido ao financiamento, o Banco Central tinha reservas suficientes para prover esses dólares que não estavam vindo pelos mercados, porque os mercados estão com menos disposição para emprestar para todo mundo, inclusive para as corporações brasileiras. Essa é uma das principais forças e que mostram a condução firme da política do Banco Central. Sobre as relativas fraquezas, destacaria que a taxa de endividamento do governo continua a ser alta e, por causa, disso o governo tem uma capacidade limitada para conduzir o que chamamos de políticas contra-cíclicas, de aumentar gastos para compensar redução da atividade econômica porque, se fizer isso, vai impactar a taxa de endividamento.

Durante a crise, muito tem sido dito sobre a credibilidade das agências de rating, que ela teria sido afetada depois do problema do subprime nos EUA. O sr. concorda com isso? E acha que isso é diferente quando se trata de 'rating' soberano (que avalia países e não empresas)?
Sobre isso, o mercado tem direito à sua própria opinião, mas o que eu posso dizer é que, no que se refere ao 'rating' soberano na América Latina, que é o que eu faço, nossa credibilidade é mais forte e tem sido provada certa. Houve diferenças de opiniões entre as agências de 'rating' para dimensionar o caso do Brasil. Enquanto as outras decidiram mudar ano passado, nós esperamos. Então, eu acho que o que esperamos para a América Latina agora é consistente com o que dissemos antes. E o interessante é que, mesmo em tempos difíceis, estamos dispostos a melhorar 'ratings', por essas evidências de que os governos e países estão se saindo melhor.

O sr. acha que depois da crise, haverá mudança no status do grau de investimento? Continuará sendo tão importante quanto antes para os países?
Eu acho que o que vimos agora pelas evidências é de que, talvez, em alguns casos, países europeus não sejam tão fortes quanto achávamos que fossem e, talvez, em alguns casos, países latino-americanos não sejam mais fracos como se pensava. Isso é baseado normalmente no desempenho fiscal, e no do governo, e como eles estão se saindo em relação a outros países. Talvez essa seja uma das uma das mais importantes lições dessa crise e possa levar a um estreitamento da diferença entres 'ratings' de regiões. O que temos visto é que, na média, alguns países da América Latina podem ter 'ratings' melhores e todos os europeus 'ratings' menores. Então, o 'gap' entre os dois será talvez mais estreito nos próximos anos. E isso vai refletir na posição da América Latina entre os países globais

Um comentário:

  1. Olá Lucas, parabéns pelo Blog, e apesar de não ser nenhum economista nem “expert” no assunto, gostaria de deixar aqui minha opinião sobre o Grau de Investimento.
    Relembrando aquela estória "Os Burros e o Mercado" em seu blog fiz um paralelo com o mercado de ações e o “Grau de Investimento”.
    Pelos gráficos da Dow Jones e do Ibovespa, observamos que até junho de 2008 temos altas expressivas nos dois mercados e um crescente fluxo de investidores estrangeiros na Bovespa fato este que me fez lembrar o aparecimento daquele homem no pequeno vilarejo anunciando o interesse em comprar burros por preços cada vez maiores.
    A partir de Junho/2008, começamos a observar o início da queda do índice “Dow Jones” e curiosamente nosso índice tupiniquim, não acompanha tal queda mas permanece estável. Porque será deste comportamento? Talvez existam muitos “homens” ainda comprando burros em nossa aldeia.
    Pois bem, mas para uma saída gloriosa da aldeia frente ao cenário econômico por vir, o ajudante fez nossos olhos brilharem oferecendo o tal (Grau de Investimento), ou melhor R$ 50,00 por burro, e sumiu. Voltando aos gráficos, fica evidente que o grau de investimento dado no final de abril/2008 foi a mesma estratégia dos R$50,00 por burro, pois observamos o pico do Ibovespa no final de maio/2008 em função do grau de investimento, chegando a 73.920 pontos e a partir daí uma queda abissal de 60% no Ibovespa que pode ser atribuída à fuga maciça do investidor estrangeiro de nosso mercado.
    Vamos torcer agora, que para as próximas etapas do grau de investimento, a estória dos burros não se repita.
    Um abraço
    Flávio
    vicentinifla@gmail.com

    PS. Como não consegui incluir os gráfics segue para seu email.

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